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almanaque das ideias cores e sons do maior movimento de juventude da história

o livro do rock & da contracultura

               e da eterna rebeldia

com relato inédito do antes durante e depois do 25 de Abril de 1974 em Portugal

EBOOK        https://www.revoluciomnibus.com/ERA-UMA-VEZ-A-REVOLUCAO.pdf


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     ciberzine& narrativas de james anhanguera 

           

Por dentro e por fora em Londres

Terra da Dama Electroacústica

Medo, atraso e rock nas berças

Era uma vez a revolução

Droga Loucura e Vagabundagem

- Da Teoria à Prática ou Vice-Versa

Rumo às ilhas da Utopia  

Era uma vez as revoluções

 so listen to the rhythm of the gentle bossa nova


  narrativas de rock estrada e assuntos ligados

 

Cedo apercebi-me de que o remédio era cavalgar o tigre em que montara sem pensar muito no destino, cavalgar só para não ficar parado sobre a fera que a todo instante ameaça engolir-me.

...

- Mas vem cá, tá tudo muito careta à nossa volta e os caretas desbundando tanto nas ondas mais vergonhosas que a gente até se retrai.

janelco vist par a  contracultur opar culturcontr natura

    

                                                      © Gilbert Shelton

 

        

        

  Trechos da versão PT-POR - versão on-line

          almanaque das ideias cores e sons do maior movimento de juventude da história

                               da era do rock & da contracultura

                                      o livro do rock   e da contracultura

        um vagalume vagamundo na era do rock e da contracultura

               narrativas em f(r)icçao para tempos mornos

 

        vida aventureira de um jovem viajante no underground e no bas-fond entre os anos 1960 e 80

 

                                 

        divertissement ilustrado, cronistória romanceada, docudrama

 

  Droga Loucura e Vagabundagem 

                                                                                                                                   Droga Loucura e Vagabundagem 

                                                                       Lisboa, Algarve, Marselha, Paris, Vilar de Mouros, 1974-82

 

Um suicídio e a psiquiatrização e morte de uma personagem dão o tom de um penoso regresso à ‘normalidade’ após um ano e meio de psicodramas individuais e colectivos num quotidiano totalmente fora de qualquer padrão de rotina.

  Portugal ‘entra nos eixos’ muito metamorfoseado, sem um Ultramar de pesadelos e a braços com um destino inexorável: a Europa e a ‘invasão espanhola’ (Eça de Queirós).

   A estrada. Nomadismo e vagabundagem ontem e hoje.

                                                                                                                                                                    

                                                                                                                                 capítulo 5 de

                                                                                                                                

                 Por dentro e por fora em Londres 

                Terra da Dama Eletroacústica

                Medo, atraso e rock nas berças

                Era uma vez a revolução  

                Droga, Loucura e Vagabundagem

                          
                             

                          - Da Teoria à Prática ou Vice-Versa

 

                             Rumo às ilhas da Utopia  

                             Era uma vez as revoluções



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  narrativas de rock estrada e assuntos ligados

 

    Droga Loucura e Vagabundagem 

          Droga Loucura e Vagabundagem

        Trechos

 

Uma vez ou outra ela lá se predispõe a sair às compras e “às compras”, num caso ou noutro sempre como que desmotivada, sem vontade de ver ou fazer. Passamos no Calhariz onde deparamo-nos com Cleo, uma das amigas da casa do Alto.

- Olá, Elô, tudo bom? – brinca ela, em paz com a vida.

Um permanente grande sorriso, os olhos como dois faróis nos médios focados no nada, e nada. Em poucas semanas, as centelhas flamejantes apagaram-se e os olhos azuis às vezes acinzentados assumem uma luz entorpecida e fria de néon, com um letreiro a projectar em anúncio a acender e apagar L O U C U R A frente aos interlocutores, que se entreolham com ar de caso. Frieza de gata asceta, pena de pavão, Sidharta, que lê e relê. Assim falava Ed: ou bem que sou eu ou é ela que está fora de si. A sensualidade deserotizou-se, eclipsou-se a chama de atracção recíproca Câncer-Aquarius.

Eu e a amiga trocamos informações de circunstância e nos despedimos, eu a modos que, para variar, embaraçado. Cleo despede-se de Eloísa e ela, nada.

Retomamos a marcha para a Calçada do Combro.

- Porquê não falaste à Cleo?

- Não tinha nada para lhe dizer...

- Ué. Sei que o mais das vezes é só uma formalidade mas deve-se ao menos dar boa tarde às pessoas.

- Ah, não me chagues. Se não me apetece falar com as pessoas não falo e pronto. Que mal há nisso?

- Ouve lá, se fores à padaria comprar pão e não disseres boa tarde, dê-me cinco papos secos, vais morrer de fome, é ou não é?

Sinais claros do que, a partir de leituras de Laing e Cooper, de quem estou a ler Grammar of Living, acabadinho de sair do forno, identifico como esquizofrenia. Ou será oligofrenia pura e simples?

Cada vez mais distante e fria nada parece animá-la, nem comer. Quase não fala. Num final de tarde tento uma reaproximação física. Afago-lhe os cabelos, acaricio-lhe os ombros e avanço para os seios propondo-lhe fazer amor. Sentada na cama com Zaratustra, I Ching, Tao Te Ching e Sidharta à frente, esquiva-se uma e outra vez.

- Olha, não adianta tentares. Sexo para mim agora não quer dizer nada. Não tenho a mínima apetência e parece-me até ridículo. Estou noutra. Para que insistires? Tá bom, vem, se queres.

Põe-se em pé na cama, tira de uma vez a camisa de noite e deita-se, puxando-me para cima dela.

Possuo-a, como se usava dizer na melhor literatura rockmântica, mas é como se ela se tivesse transformado numa estátua, como Anne de Les Visiteurs du Soir, ou num bloco de gelo no Ártico.

- Pronto, satisfeito? Agora sai – diz com desprezo, tirando-me de uma vez de dentro de si e já a sentar-se na cama. – Vês? Não vale a pena. A plenitude que busco está noutra coisa. Sexo para mim não tem a mínima importância. Aliás, é como se não existisse. Como se nunca tivesse feito ou fosse fazer. Não me faz falta. Se quiseres e se fazes tanta questão disso podes procurar outra. Eu não me importo.

Hesse para que te quero... Budista asceta sem um mínimo de ironia. Sidharta. Zaratustra. Que Nietzsche tivesse morrido doidinho da silva pelo treponema pálido que lhe terá azucrinado o cerebelo, e se tivesse deixado embriagar pela visão do eterno retorno – e quem sou eu para discutir o mito do ‘eterno retorno do instante’ mais o que isso possa querer dizer -, pela vontade da potência, o super-homem, mas pode alguém acreditar nisso tudo tão profundamente quando ele mesmo disse que Deus morreu, porra! Porventura terá ele pretendido criar uma nova doutrina mística?! Posso até alinhar no princípio do imperativo categórico do outro – et pour cause! – e concordar totalmente com as suas críticas à moral e à hipocrisia do sentimento de compaixão judaico-cristãs, que também condeno. Com as suas críticas à democracia burguesa e à cultura e civilização ocidentais. Absurdo é que alguém leve os aforismos tão a sério.

Por outras palavras. Zen sim mas não trôpego. Sou até demais e quero ser mais ainda, não fundir a cuca nem para dar aquela palha, isto cheira-me a Friednietzsche demasiado ao pé da letra.

Apiedamento também não quero mas, egoístas ao máximo, nestes momentos tentamos convencer o outro que sem nós não há salvação – e é o que eu faço aqui. E depois, se a coisa para o outro dá pro torto, cobertos de razão, avança-se: eu não disse?!

Sintoma de falta de sabedoria. Será que ela não entende isso? Se entende, não diz.

Os primeiros acessos do mal... Outros sintomas não são evidentes. Não tem nada a ver pensar em inferno legal-burocrático. Estamos acima. Passaremos longe dele. Estamos além do bem e do mal, numa nebulosa que se cristalizará no seio ou à margem do sistema. Não se pensa sequer em labirinto, huit clos, beco sem saída à bout de souffle. Ou pensa-se, porque estão lá, na literatura, nos filmes, nas peças de teatro, são parte da vida. Dos outros.

O trepidar constante (do rock gregário) - e depois nada? À sua volta, uma aura de profundo recolhimento, in-di-vi-dua-li-da-de ao extremo. O brilhozinho dos olhos é que não engana ninguém.

                   ...

 

Nem a falange anarca representa minimamente o bandoleirismo anarco-hippie de Pepe y sus muchachos quando ele vem a Lisboa e telefona a desafiar os amigos para a vagabundagem. Quando está na cidade é o que acontece, entre visitas a amigos em Lisboa e arredores, quase sempre divertidas e instrutivas. Fins de Setembro, reúne-se a mim, Dio e Joana e decidimos ir a Cascais, a visitar Júlio Andrade, que acaba de mudar-se com Maurício e los chilenos para uma casa de dois andares no Alto de Cascais. Ao longo do ano o grupo abancou no Chiado a vender um produto em tese absurdo: colares e pulseiras feitos de massa alimentícia pintada.

O grupo decide comprar peixe na lota para cozinhar na nova casa. Compramos um polvo bem grande, arroz e condimentos para o refogado. Alho, cebola e pimento vermelho coram e fritam no azeite, passamos o polvo lavado e cortado no refogado e quando já está quase cosido mandamos-lhe o arroz por cima. Júlio compra pão e vinho. Seis para a janta, com ele e uma amiga. Depois, desculpem lá mas estamos à espera de visitas, os quatro vemo-nos desolados sem nada a fazer em Cascais e sem querer voltar para Lisboa, porque tínhamos decidido também passar o domingo por lá.

Decidimos ir à procura de Júlio da Maianga, que com o produto das primeiras vendas da poderosa liamba trazida de Angola alojou a mãe num e instalou-se com a garina noutro apartamento de um prédio enorme da nova urbanização do J. Pimenta. Venta muito e o imenso corredor do edifício onde tocamos a uma porta parece um túnel de aceleração de partículas atómicas. Ninguém responde. Estamos na baía quando Joana tem uma ideia.

- Que tal fazermo-nos passar por iarns e dormirmos num hotel? Amanhã podemos ir à praia e ver se encontramos o Júlio.

Vamos a uns três hotéis de Cascais e chegamos ao lobby do Estoril Sol, sempre com o mesmo paleio que não deu certo nas tentativas anteriores, quando em última instância os empregados dizem que estão cheios de iarns.

- Boa noite. Nós somos do IARN, estamos sem os nossos cartões aqui mas precisamos de dormida. Será que os senhores podem hospedar-nos?

- Desculpe, mas sem as cartões é impossível.

   Continuamos a tentar até chegar a um hotel numa casa tipo Psycho no Monte Estoril. Passamos o portãozinho e seguimos entre o jardim até à porta de entrada, quase às escuras. Dentro, escuridão completa. É quase meia-noite. Diogo vai à frente, seguido por mim, Pepe e Joana, que já descrente de obtermos qualquer sucesso fica no passeio, apoiada ao muro. Dio toca à campainha. Ninguém responde. Toca outra vez e dá no mesmo. Insiste. À quinta ou sexta tentativa finalmente abrem a gelosia da porta e aparece um senhor atrás das grades. Nada a fazer, diz. Dio insiste mas o homem não se apieda e já a perder a paciência dá a entender que decididamente não está para argumentos, despedindo-se e fechando a portinhola num gesto abrupto, a que Dio reage com fúria.

   - Mas, está a bater-me com a porta na cara?! – e acerta a mão espalmada no vidro, que se despedaça com estardalhaço. Não acredito no que vivo. Olho para trás e vejo Pepe com os olhos esbugalhados. Para a frente, e Dio esbraceja e grita impropérios à janela despedaçada. Volto a olhar para trás e vejo Joan a pisgar-se rua abaixo e Pepe a olhar de frente para trás e detrás para a frente e a dar uma passada decidida rumo ao portãozinho, que ultrapassa a correr e eu atrás dele e atrás de mim Dio até ao casino.

   - Melhor apanhar um táxi para Lisboa.

   Pelo caminho a divertida e ao mesmo tempo acabrunhante sensação de ser um delinquente, um irresponsável, um pateta alegre em loucas aventuras tipo Freak Brothers, eu Freewheeling ou Phineas? em pequenos crimes de garotos. Até que, eu sem dar por isso, a cabeça ainda num turbilhão, a assoprar a adrenalina, chegamos a Lisboa e alguém diz: o que é aquilo? O casarão da Embaixada de Espanha está em chamas.

Após uma manifestação contra a execução de militantes antifranquistas os anarcas decidiram invadir a embaixada a que puseram fogo e saqueiam peças de mobiliário e obras de arte, causando milhares de contos de prejuízo. Fat Fred na cabeça: Primeiro a embaixada, depois o país! Sinto-me redimido. Isto sim é que é loucura. E pensar que há bem pouco tempo ainda o cantautor lançou o verso Praça de Londres a arder e, mais que surreal, a imagem parecia totalmente absurda.

    

                                                                  © Gilbert Shelton

                                      

                         

   ...

 

Freak Brothers en route, inopinadamente ao Algarve de boleia com Dio e Joan. Eu e Pepe estendemo-nos muita ganzados na areia preparados para dormir ao relento na praia de Olho d’Água e de olhos abertos sonhamos mirando estrelas de noite de São Lourenço e ouvindo o mar  dando e enredando quando entre os sons intrometem-se os da voz altercada de Dio e sopapos vindos de uma tenda próxima, onde o casal pernoitaria.

Não me digno a erguer a cabeça porque à segunda série de sopapos entremeados de gritos de Joan Pepe levanta-se de jacto a rir e a resmungar.

- Porra, meu, esses gajos vão matar-se um ao outro – e lá os vai apartar.

Tempos difíceis estes em que um individuo não se preocupa nem com o que vai ou não comer no dia seguinte, porque um dia em que não se come... o céu a fundir-se no mar da mesma cor e todas as cambiantes do vermelho vivo ao rosa a nascente, é mais um dia de vida, estica-se os braços, olha-se para o mar e ele chama-te com um bater de onda seco e o borbulhar e murmurejar da água, nem uma nuvem no céu, água tépida, ou é o que parece.

No regresso Pepe acaba de enrolar um fininho.

- Que porreiro!

- Eu já vou lá chegar bem apanhadinho – debocha o outro, a esticar o linguão para passar cuspe na mortalha, que insisto em pedir nas tabacarias pelo termo ‘papel de enrolar cigarros’ – às vezes até a comprar um pacote de Drum também para disfarçar...

- O que um tipo não é obrigado a fazer para garantir boleia para Lisboa – escarneia Pepe da cena da noite anterior, boca aberta numa careta açucarada por um riso a caminhar para o mar onde mergulha como uma lontra desapressada.  

 

... 

 

Uma tarde, o choque. Eloísa foi parar na emergência do Júlio de Matos e de lá transferida para a clínica da Idanha. O pessoal de Sintra não aguentou os seus desvarios, o seu modo de estar tão à toa e de passagem a sua atitude ninfómana e a total dependência dos outros e telefonou aos pais para a irem buscar. De volta a casa, um dia, numa discussão, terá passado dos limites na altercação e foi levada ao Júlio onde para acalmá-la puseram-na em sono insulínico. De quadrúpedes, pelas primeiras impressões, porque o seu problema é estar abobalhada, quase inerte. Poderão tê-la transformado em vegetal. Para mim é como se tivesse morrido. Psiquiatrização, uma viagem sem volta? Despeço-me de Eloísa agachado junto ao fogareiro eléctrico da cozinha à espera que a água se decida a ferver, as mãos na cabeça, os olhos marejados, a angústia a atabafar-me como se também a mim me tivessem dado um choque insulínico. Como se estivesse num quarto da ‘clínica’. Vêm-me à mente aqueles filmes de terror barato passados em hospícios no apogeu da Idade Clássica e todas as histórias de loucura que conheci de perto e de que ouvi falar. Do amigo Solemar que aos 15 anos, quando os pais souberam que fumava erva, foi internado no Hospital Auguste Pinel do Rio e entre mais uma e outra internação acabou por morrer.

Eloísa perdera – se alguma vez tivera – qualquer noção de detachment ou humour. Sem tentar um equilíbrio entre ser e parecer ou perceber a ironia (in)contida em Nietzsche, por exemplo. Ao mesmo tempo em que se arvorava uma altivez de superioridade em relação às coisas simples – as mere things de Huxley - do dia-a-dia, que condenava por reduzirem as pessoas a autómatos, robôs, bonecos ou máquinas que só respondem a estímulos pré-ordenados.

Vai para a casa de um japonês viajante na Várzea de Sintra, uma espécie de sucursal da Casa das Nogueiras com quartinho, saleta e quintal, e abanca até o anfitrião morrer afogado na Praia Grande e voltar à base até ser de novo expelida para enfim ser reenquadrada, algemada, embalsamada em vida com a capa de protecção de ansiolíticos.

Aparentemente não havia nada de tão anormal nela além do distanciamento das pessoas – ao menos daquelas que giravam à sua volta naqueles dias – e das coisas, com a excepção de Assim Falava Zaratustra, do I Ching, das cartas de Tarot ou da doce desventura de Hans Castorp. Tivesse bago e poderia ir para uma pensão, um hotel ou alugar uma casa em Sintra e viver numa boa pelo resto dos dias, como um heroinómano abonado. Chanfrada mas quem sabe feliz. Talvez. Até o dia da overdose... Ninfómana? – quantas não o são e apesar do desvario, ou em função dele, não se administram?

O que a levou lá? – pergunto-me angustiado enquanto ponho o saco de chá de jasmim no bule de barro. O que a fez cair na armadilha do manicómio?

E imagino, a tirar nabos da púcara das poucas informações que me foram passadas: uma fúria, o banco do hospital, de madrugada, um shot de insulina.

Como nos filmes em preto e branco de Hollywood. Pior que aquele sobre Freud de John Huston ou Spellbound de Hitchcock.

Conflitos familiares, tormentos d’alma e complicada relação com os outros e com o mundo. Se Jung aqui estivesse diria que há até fortes indícios de permanência do conflito entre o Arquétipo do Animus e o do Pai. Do signo de Câncer tem muita dificuldade de entrar na idade adulta, segundo os especialistas.

Chega Ivan.

- Que coisa absurda. Como é que ela se deixou enredar dessa forma? – comenta, a pretender denunciar uma sua qualquer debilidade – vá – psicológica, porque na sua óptica só um débil mental deixar-se-ia enredar nas malhas da loucura. Talvez tenha razão.  

 

   ... 

 

Porque o trabalho de campo prossegue. Conhecer uma ‘clínica’ psiquiátrica para libertar uma internada. Leda explicou o que devíamos fazer.

- Poderás fazer-te passar por jornalista em reportagem. A mim já me conhecem pouco mais ou menos. Esperando que Eloísa não esteja de algum modo atordoada arrumamo-la de modo a parecer que tem autorização para dar uma volta e fazêmo-la sair pela porta da frente. Há que tomar cuidado com o pessoal, porque aquilo lá não é grande e toda a gente se conhece, tás a ver? O pior será passar pelo portão da guarda, se tiveres de dizer alguma coisa talvez seja bom entrares numa de baratinar o gajo com a história de que estás em reportagem e nós a acompanhar-te. Se não funcionar é que são elas, mas não podemos deixar de tentar. Ela vem aqui para casa, porque minha avó já está acostumada a que aqui passe uns dias, e vemos entretanto se dá para ir para algum lugar onde possa estar em segurança.

Eloísa está quase irreconhecível. Os medicamentos que toma devem ter muito cortisona, porque está toda inchada e com a cara cheia de borbulhas. A cada vez que os seus olhos encontram-se com os meus sorri aparvalhada, com o mesmo ar estúpido com que olha para Leda quando ela lhe dirige a palavra. Só fala quando interrogada.

- Tomaste alguma coisa, algum comprimido?

- Claro! O de sempre, há pouco – e ri.

- Sentes-te bem aqui? – pergunto a contragosto, só para dizer alguma coisa e romper o silêncio sepulcral que faz quando ninguém diz nada, o jardim da vivenda deserto na tarde ensolarada de primeiros dias primaveris.

- Iá – limita-se a dizer, reabrindo a cortina para o sorriso patético.

- Que tal dar um passeio em Lisboa? Depois trazemos-te de volta – proponho.

- Tá bom. Vamos já?

Leda pisca-me o olho, só contentamento.

- Sim. Arruma-te só um pouco. Deixa-me ajudar-te.

- Vamos como?

- Paulinho está lá fora. Vamos de carro com ele. Vai ser giro, né? Há quanto tempo estás aqui?

- Nem faço ideia – e ri-se de novo, a ajeitar os óculos. – Parece uma vida.

Vou até à mesa de cabeceira para um acto trivial de mero passatempo. Earth is Room Enough, livro de contos de Isaac Asimov, em edição de bolso da Panther Books, Areias de Marte, de Arthur C. Clarke, também de bolso, Livros do Brasil, À Beira do Abismo, As férias de Poirot, tudo de bolso.

- Bons, né? – diz-me Eloísa. – Alguma coisa aí é tua. Nem leio mais, porque passo a maior parte do tempo sob o efeito de drogas que só me dão tontura, mas até que já os li a todos no tempo em que lia um por dia, se me desse vontade.

Fala pausadamente, como se tivesse dificuldade de mexer os músculos da face. Leda acabou de arrumar-lhe o cabelo com o mesmo carinho com que se ajeita o de uma criança. Endireita-lhe o colarinho da blusa de malha preta.

- Queres levar alguma coisa?

- A minha bolsa – e pega a velha bolsinha de veludo preto.

 

Não se vê vivalma no corredor mas ouve-se som de passos na escada de madeira. Leda tira a bolsa do ombro de Eloísa e põe-na na sua sacola presa ao ombro. Passamos por uma enfermeira que olha fixamente para a paciente mas não diz nada. Grande movimento no hall. Até aqui não há perigo. Em várias ocasiões apercebi-me de que Leda é muito nervosa e medrosa, o que expressa plenamente nos passinhos apressados e no rosto tenso. Digo-lhe que se acalme que tudo vai correr bem, mas aperta os lábios e arregala os olhos em sinal de pânico. Passamos a porta antes do jardim maltratado pelo Inverno, com algumas roseiras bravas com galhos ressequidos e mato em volta. Seguimos pela aleia até o portão principal, eu dois passos atrás das raparigas. Ninguém à vista na guarita. Leda parece à beira de um colapso quando olha-me para ver se as sigo.

Eloísa pára de repente e agarra-me pelos pulsos.

- Olhem, não vai dar para ir com vocês. Estou a ver que não vai ser fácil sair daqui depois de tanto tempo e ter de lidar com muito movimento. Aqui é tão tranquilo, estou tão bem. Não vai dar para ir hoje, vamos outro dia.

Leda perde o controlo:

- Eloísa, que loucura! Que mal poderá fazer-te?! Olha – segura-a pelas mãos e mira-a fixamente nos olhos -, vamos encontrar-nos com o Paulinho que está ali no carro, vamos com ele até à minha casa, tás a ver, tranquilamente, vamos para o meu quarto, ficamos lá, fazemos um chá, vamos comprar bolos para fazer um chá, hem? Um chá de luxo! Há quanto tempo não tomamos um chá assim? Anda, vamos!

- Não posso! – e começa a voltar em passo rápido ao casarão, sem dar tempo de alcançá-la. Leda corre atrás dela, que entra e continua a andar rumo à escada com a amiga ao lado a tentar convencê-la a não voltar para o quarto. Tomo o rumo da saída e sento-me no banco traseiro do dois cavalos. Leda chega a dar sinais de que por mais um pouco será ela que precisará de ser internada e a gritar: não vou desistir!

      Esta é quase igual ao Lilith de Robert Rossen, com a diferença de que, se ela, Eloísa-Lilith (Jean Seberg) poderia ir embora da clínica e não vai, eu não sou doido como Vincent (Warren Beatty) para embarcar na dela, tão pouco temi perdê-la, e a vertigem da loucura poderá destruí-la mas não a mim - ao menos por enquanto.  

 

  ...


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E S P E C I AL

Terra da Dama Electroacústica

 versão integral do capítulo a partir daqui

ELOÍSA  OU  A MAIS NOVA HELOÍSA 

  OU  ELOITH E O DESTINO

trechos dos capítulos Era uma vez a revolução e  Droga, Loucura e Vagabundagem  que compõem um romance dentro da crônica histórica romanceada a partir daqui

em versões brazucas

VAGABUNDAGEM

um tema fora de moda

   

 

 

Jack Kerouac termina seu livro de crónicas Lonesome Traveler / Viajante Solitário (1960) com o ensaio O Vagabundo Americano em Vias de Extinção. Aquele vagabundo americano -

 

trechos dos capítulos Era uma vez a revolução e  Droga, Loucura e Vagabundagem  que compõem um romance dentro da crónica histórica romanceada sobre a era posterior a Jack Kerouac em que ainda foi possível vagabundear pelas estradas fora em trips interiores e exteriores antes do bloqueio das fronteiras ao turismo existencial ou "sem propósito" ou "a despropósito" - a partir daqui

em versão brazuca

 

E S P E C I AL


relato inédito DO 25 de abril

Enquanto crescíamos havia muita gente que acreditava que ainda iria viver num mundo totalmente diferente. Hoje em dia parece que tudo aquilo sequer existiu.

Quem jamais ousará de novo acreditar na regeneração da humanidade?

com dados exclusivos de fatos marcantes que o precederam e sucederam dos palcos da história - cafés, casas de espectáculos, repartições, quarteis, meandros políticos, comunicação social (directo da Rádio Renascença) e submundo

1970-1975          2010-2015

40 anos esta noite

25 de Abril de Cabo a Rabo

relato inédito com dados exclusivos de fatos marcantes que precederam e sucederam a queda da ditadura portuguesa 1928-1974 com a cronologia em insights originais dos antecedentes do maior acontecimento da história portuguesa no último meio século, da madrugada dos filhos da madrugada, do chamado PREC (Período Revolucionário em Curso) e do retorno à "normalidade", a uma outra realidade. Ao mesmo fado?   

DAQUI  Primavera Marcelista 

DAQUI   último semestre do regime

DAQUI  a partir da madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974

 

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 Rumo às ilhas da Utopia – Da Teoria à Prática ou Vice-Versa

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os muros proclamam um velho ideal de cidade e cidadania 

 have you ever been down to electric

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                    40 anos do último disco  

       da  trilogia básica de jimi hendrix                         

            DAQUI

as ditas moles e as ditaduras - leitura associada  -  dossiê    A Fome no Mundo e os Canibais sobre opressão

  40 anos de Flower Power 

 

condensação do apêndice  Rumo às ilhas da Utopia – Da Teoria à Prática ou Vice-Versa     a partir   DAQUI

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dos brasilianos

La triste
e bella saga
dei brasiliani


Deus e o
Diabo na Terra
da Seca

Música do
Brasil de Cabo
a Rabo

Maionese
a consciência
cósmica



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créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981; Cinque Terre: encosta Liguria, Mariana Sales; Alemão, Rio: Getty Images/Época, São Paulo; É por tudo: Fábio Motta/Estadão Conteúdo;; Bendine/Petrobras: Wilson Dias/ABR; Val Machiori: Rafael Martins Impeachmment Já: J. Duran Machfee/Estadão Conteúdo; Dilma Rousseff: Evaristo Sá/AFP; Dilma Rousseff: Beto Barata/Folha Press; Desperado: Eugene Oshiko/AP; Xi Jinping/Kirchner: Juan Mabromata/AFP; Pipa no Dona Morta: Pedro Kirikos; Lula da Silva: Ricardo Stuckert/Inst. Lula; Globo Economia/Alemão, Rio: Tapumes no Congresso: Joel Rodrigues/Folha Press

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