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                           A  "Chacina da Candelária"

      além do  sensacionalismo

         e das declarações de circunstância

 

                                                                             (25 de julho de 1993)

 

         A chacina de sete crianças e jovens em frente da igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, na madrugada de sexta-feira, tende a passar à história como mais um deplorável episódio da barbárie brasileira que não foi punido.

       Quando a poeira do vento assentar sobre as parangonas sensacionalistas dos órgãos de informação e as declarações oficiais e extra-oficiais de circunstância - com manifestações de pesar pela ocorrência e exigências de punição rápida e exemplar dos culpados - os "mortos da Candelária" poderão não ser mais que um número estatístico.

         São mais sete vítimas da injustiça - ou oito, porque um sobrevivente continua em risco de vida - a juntar-se aos 53 mortos no naufrágio do "Bâteau Mouche", no reveillon de 1989, ao "mártir da Amazônia", Chico Mendes, aos 11 mininos de Acari, no subúrbio do Rio de Janeiro, "desaparecidos" em 1992, e à mãe de um deles, que insistiu em ver os hipotéticos assassinos do filho na cadeia e foi morta em janeiro. Ou aos 111 cadáveres de presos baleados na Casa de Detenção de Carandiru, em São Paulo, em outubro de 1992.

        Tragédias que deram a volta ao mundo nas primeiras páginas dos jornais e chamadas principais dos noticiários de rádio e TV como crimes "bárbaros", "hediondos", e que a seu tempo provocaram pungentes manifestações de protesto pela falta de respeito aos valores humanos e de justiça no Brasil.

       Passados alguns anos não foi todavia apurada a responsabilidade por quase todos eles e os condenados pelos outros ou não foram presos ou escaparam da prisão.

         O Brasil é hoje um país cujos órgãos soberanos e instituições públicas não são levados a sério justamente porque as autoridades não demonstram o mínimo empenho na defesa das mais elementares regras de equidade e justiça além dos discursos de circunstância.

        Quem, superando a comoção pela crueldade do ato, fez uma análise a frio da "chacina da Candelária" - apenas mais um reflexo da hecatombe social brasileira - logo concluiu que os culpados pelo extermínio à queima-roupa de um grupo de crianças e jovens (chamados "pais de rua") não serão descobertos ou, então, nunca serão punidos.

        Ocorrências como a fantomática fuga à polícia do empresário "Pc" Farias - o presumível "cérebro" do "Collorgate", alvo de um mandado de prisão por não pagar impostos sobre a sua fortuna - acabam por servir apenas para reforçar o ceticismo com que alguns ativistas dos direitos humanos estão a encarar as diligências para identificar e punir os culpados por mais esta tragédia.

        Para eles, a nota em que "como pai, como homem e como presidente" Itamar Franco declarou ter ficado "horrorizado" com a notícia da chacina e informou ter ordenado ao ministro da Justiça Maurício Correa que acompanhe de perto as investigações, não passa de um gesto protocolar.

        Partem do princípio de que o choque manifestado e o empenho demonstrado pelo atual presidente não é maior nem menor que o de outros em situações análogas e pouco ou nada contribuirão para solucionar o caso ou pôr cobro à dramática condição da infância desvalida no Brasil. 

        O ceticismo realista de uma considerável fração dos "formadores de opinião" brasileiros ou ativistas dos direitos humanos baseia-se na própria forma como os autores da chacina atuaram, alguns com os rostos descobertos, numa clara demonstração de que confiam na impunidade.

        Ações como a do grupo de extermínio da "turma da Candelária" - presumivelmente integrado por agentes da Polícia Militar - são consequência da falência do Estado, através da Justiça e demais instituições, da ignorância de grande parte da população e da paranóia em que vivem as suas camadas médias pela crescente onda de violência que leva cidades como o Rio de Janeiro a ostentar estatísticas mais hediondas que as das guerras do Vietnã, do Líbano ou da Bósnia-Herzegovina.

        Segundo o Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (Ceap), entidade não-governamental, metade das 4,2 mortes violentas de meninos de rua registradas diariamente no Brasil, numa chacina cotidiana, é cometida por soldados da Polícia Militar.

        320 "pivetes" foram mortos no Rio nos primeiros cinco meses de 1993, contra 424 em todo o ano de 1992.

        Nesse período - afirmam outras fontes -, os meninos ao desabrigo não terão matado mais de uma dezena de pessoas.

       Quarta-feira, 21 de julho, 15 soldados e agentes das Polícias Civil e Federal do seu estado foram acusados de participação em crimes hediondos, cinco dos quais de extorsão dos sequestradores do empresário português José Alves Lavouras, que apareceu morto em maio.

      A falta de confiança nas corporações policiais brasileiras mantém perfeitamente atualizado um famoso samba de Chico Buarque em que, face a chegada a sua casa de uma patrulha da polícia durante a ditadura militar de 1964-85, o anti-herói implora à mulher: "Chama o ladrão! Chama o ladrão!".

      Os grupos de extermínio são sustentados por comerciantes e industriais de hotelaria e turismo numa campanha de largos anos de substituição das autoridades constituídas para "limpar" a imagem de megalópoles mergulhadas no caos social, como o Rio de Janeiro e São Paulo.

        Para o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, "uma parcela significativa da sociedade" defende o extermínio das crianças e adolescentes que moram nas ruas do Brasil, vivendo de biscates ou de expedientes ilícitos, como pequenos furtos.

        Uma estação de rádio recebeu 23 telefonemas de ouvintes durante uma emissão sobre a "tragédia da Candelária", poucas horas após a divulgação da notícia - todos de apoio ao extermínio.

        Dizem as estatísticas que, dos 60 milhões de crianças e jovens brasileiros de até 17 anos, 34 milhões vivem na pobreza e 18 milhões em núcleos familiares que sobrevivem com até 1/4 do salário mínimo.

       Muitos deles, como a maioria das vítimas da Candelária, preferem as ruas a ambientes familiares extremamente degradados, onde são as principais vítimas de violências.

        Apenas 20% das crianças que entram para o primeiro ano de escolaridade no Brasil concluem a instrução primária.

       Segundo especialistas como Gilberto Dimenstein, autor do livro "A guerra dos meninos", a falta de educação é uma das armas fundamentais da elite brasileira na luta pela manutenção de suas regalias.

         Sem educação não se tem consciência do direito de cidadania. Sem cidadania não há reivindicação, o que leva a questão ao seu ponto fulcral, no ponto de vista da pedagoga portuguesa Ana Filgueiras, presidente do Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente: a crise brasileira não é apenas econômica, mas sobretudo ética, e nada mudará sem uma maior participação da sociedade civil nos jogos de poder.

         Todas as vítimas dos exterminadores da Candelária eram negras, o que levou alguns comentaristas internacionais ao exagero de denunciar um processo de "limpeza étnica" também no Brasil.

         É no entanto de bradar aos céus que a maior parte da massa de dezenas de milhões de gente paupérrima no Brasil seja constituída por negros descendentes de escravos libertados há pouco mais de um século apenas para que constasse, continuando a ser vítimas de um outro tipo de escravidão, como "capachos" na escala sócio-econômica. Não é de hoje que se denuncia no Brasil um sistema onde a Justiça só funciona contra os pobres.

         O mais provável, portanto, é que passado o clamor sensacionalista e hipócrita da mídia sobre a "comoção" pública causada pela "chacina da Candelária", da tragédia de sexta-feira só venha a restar a lembrança das imagens dos "moleques" sobreviventes envoltos em cobertores para não serem identificados e punidos pelos exterminadores.

 

 

 

 

 

 

                     

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